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Inteligência Artificial e Eleições: O Impacto das Fake News

O emergente uso de tecnologias de inteligência artificial (IA) em processos eleitorais marca uma nova era em política global. De acordo com a Wired, a disponibilidade generalizada de IA generativa está prestes a colidir frontalmente com campanhas políticas e eleições em 2024, afetando não só os Estados Unidos, mas também países como Índia, Indonésia, África do Sul e muitos outros. Este post explora como a inteligência artificial e eleições estão interligadas na criação e disseminação de desinformação em escala global.

A Ascensão dos Líderes “Ressuscitados” e o Apoio de Celebridades Falsas

Um dos fenômenos mais alarmantes que emergem com o avanço da IA nas eleições é o uso de deepfakes para “ressuscitar” líderes políticos falecidos ou envolver celebridades em campanhas sem o seu consentimento. Essa tendência não só distorce a realidade, mas também joga com as emoções dos eleitores, explorando sua confiança e respeito por figuras públicas já conhecidas.

Em países como Índia e Indonésia, a tecnologia de deepfake foi utilizada para criar vídeos e imagens de líderes políticos falecidos endossando candidatos contemporâneos. Este tipo de manipulação gera uma grande confusão entre os eleitores, especialmente aqueles que podem não estar plenamente cientes da morte de tais líderes. O impacto emocional de ver uma figura respeitada apoiando um candidato pode influenciar significativamente as decisões de voto, desafiando os princípios éticos das campanhas eleitorais.

Além dos políticos, celebridades fictícias também têm sido inseridas no contexto eleitoral. Por exemplo, na África do Sul, foi relatado que deepfakes do rapper Eminem endossavam partidos de oposição. Essas manipulações não são apenas tecnicamente impressionantes, mas também altamente enganosas, aproveitando-se da influência cultural das celebridades para moldar opiniões políticas de maneira indevida.

A criação de deepfakes envolvendo líderes e celebridades levanta questões profundas sobre ética e legalidade. A utilização de imagens e vozes de indivíduos, sem consentimento, para promover agendas políticas, é uma clara violação da autenticidade e da verdade. Além disso, a dificuldade em detectar e desmentir esses deepfakes coloca uma pressão adicional sobre as agências de checagem de fatos e os reguladores, que lutam para manter uma campanha eleitoral justa e transparente.

O Impacto Global e a Escala da Desinformação

À medida que entramos em um ano eleitoral sem precedentes em 2024, a propagação de desinformação através de inteligência artificial não se limita a uma região ou país; é um fenômeno global com consequências vastas e profundas. Com a eleição mais abrangente da história em vista, e o aumento do acesso à internet em todo o mundo, as ferramentas de IA estão sendo empregadas em uma escala nunca antes vista, moldando a política de maneiras inovadoras e, muitas vezes, perturbadoras.

Mais de 2 bilhões de pessoas deverão votar em eleições nacionais, locais e regionais em mais de 60 países em 2024. Esta escala maciça de eleitorado oferece um terreno fértil para a disseminação de fake news por IA, onde deepfakes e outros conteúdos manipulados podem facilmente cruzar fronteiras linguísticas e culturais. A manipulação não se limita a grandes democracias; ela é encontrada tanto em nações com governos estáveis quanto em regiões politicamente voláteis.

Os deepfakes, que permitem a criação de vídeos ou áudios falsos extremamente realistas, podem ser usados para simular discursos de políticos, promover falsas promessas eleitorais ou até mesmo difamar oponentes. Este ano, já vimos chatbots de IA escrever discursos e responder perguntas sobre políticas de candidatos. Contudo, o uso mais nefasto inclui humilhar políticos, especialmente mulheres, e fazer líderes mundiais promoverem, por exemplo, esquemas de renda passiva fraudulentos.

A personalização de mensagens de campanha, que antes era vista como um sinal de atenção aos eleitores, agora pode ser manipulada por IA para gerar mensagens altamente segmentadas que apelam para as emoções e preconceitos dos eleitores. Isso não apenas distorce o processo democrático, mas também diminui a confiança nas instituições políticas, já que os eleitores enfrentam dificuldades para discernir o que é autêntico do que é fabricado.

Problemas que já afetavam as plataformas tecnológicas, como desinformação, fraudes e conteúdo odioso, estão propensos a serem amplificados pela IA. Apesar das “salvaguardas” que as empresas afirmam ter implementado, as defesas existentes são frequentemente insuficientes para lidar com a sofisticação das técnicas de IA. Essa lacuna na defesa contra fake news coloca em risco a integridade das eleições e pode potencialmente influenciar seus resultados.

Ferramentas, Tecnologias e o Papel das Empresas no Cenário Eleitoral com IA

À medida que a inteligência artificial (IA) se torna uma ferramenta essencial nas campanhas eleitorais ao redor do mundo, a responsabilidade das empresas que desenvolvem e disponibilizam essas tecnologias aumenta significativamente. A Wired destaca uma iniciativa contínua para monitorar o uso da IA em eleições globais, atualizando um mapa e uma lista que detalha como e onde a IA está sendo empregada em processos eleitorais. Este acompanhamento é vital para entender a escala e o impacto das intervenções digitais nas democracias modernas.

O projeto da Wired serve como um recurso crucial para capturar a amplitude do uso da IA nas eleições. Através da atualização constante de um mapa interativo e listas detalhadas, observadores, pesquisadores e o público em geral podem ver quais países estão utilizando IA e de que maneira. Este tipo de vigilância é essencial para a transparência e ajuda a construir um entendimento global sobre como as campanhas estão sendo influenciadas por tecnologias emergentes.

O papel das empresas de tecnologia é duplamente importante. Primeiramente, essas empresas devem garantir que suas inovações não sejam usadas para minar a integridade eleitoral. Isso implica não apenas na implementação de tecnologias de detecção e prevenção mais eficazes, mas também na colaboração ativa com governos, organizações não governamentais e outros stakeholders para definir normas éticas e legais claras para o uso da IA. Além disso, essas empresas têm a responsabilidade de educar os usuários sobre como suas ferramentas podem ser usadas e abusadas.

Desafios para Verificação e o “Dividendo do Mentiroso” (liar’s dividend)

O ecossistema informativo moderno, impulsionado pela inteligência artificial (IA), apresenta um desafio único e complexo: o “dividendo do mentiroso” (tradução livre de liar’s dividend). Este conceito se refere à facilidade com que figuras públicas e políticos podem agora alegar que informações verdadeiras são falsas, confundindo a percepção pública e erosionando a confiança nas mídias tradicionais e nos sistemas de verificação de fatos.

Veja um episódio do podcast da ‘MarketPlace’ que aborda o tema.

Na era da IA, a distinção entre real e fabricado torna-se cada vez mais turva. Políticos podem descartar evidências concretas simplesmente alegando que são produtos de IA, sem necessidade de prova substancial. Isso não apenas desafia os verificadores de fatos, mas também muda a natureza da verdade pública. Se tudo pode ser alegado como falso, a verdade efetiva perde seu valor, e a mentira pode ser tão poderosa quanto a realidade confirmada.

Enquanto isso, fact-checkers e jornalistas enfrentam barreiras significativas. Muitos ainda não possuem as ferramentas ou o treinamento necessário para diferenciar de maneira confiável entre conteúdos gerados por IA e conteúdos autênticos. A detecção de deepfakes e outras manipulações digitais requer tecnologias avançadas que podem não estar acessíveis para todos os meios de comunicação, especialmente aqueles com menos recursos. Além disso, a velocidade com que as notícias falsas podem se espalhar complica ainda mais os esforços de verificação, pois desmentir uma informação falsa após sua viralização se torna uma tarefa hercúlea.

Para combater o “dividendo do mentiroso” e fortalecer os sistemas de verificação, é essencial desenvolver novas ferramentas e estratégias. Isso inclui o uso de IA para combater IA, como algoritmos que podem analisar e identificar assinaturas de conteúdo gerado por máquinas. Além disso, é fundamental uma colaboração maior entre tecnólogos, acadêmicos, jornalistas e legisladores para criar normas e regulamentos que promovam a transparência no uso de tecnologias de IA em contextos informativos.

Finalmente, educar o público sobre as capacidades e os riscos da IA é crucial. Aumentar a conscientização sobre como a desinformação é criada e disseminada pode empoderar os indivíduos a questionar criticamente as informações que recebem e buscar fontes confiáveis antes de formar ou expressar opiniões. Esta educação, combinada com melhores recursos para verificação, pode ajudar a mitigar o impacto do “dividendo do mentiroso” e restaurar a confiança na integridade das informações públicas.

Inteligência Artificial e Eleições a Necessidade de Uma Nova “Vigilância”

À medida que navegamos por este novo mundo moldado pela inteligência artificial, torna-se evidente que a IA possui tanto a capacidade de distorcer a realidade quanto de enriquecer nosso entendimento do mundo. Embora os desafios apresentados pela IA em contextos eleitorais sejam perigosos, é crucial reconhecer e explorar as possibilidades positivas que essa tecnologia também oferece.

O cenário complexo criado pela IA exige uma nova forma de “vigilância”. Não se trata apenas de monitorar o uso negativo da tecnologia, mas também de entender como a IA pode ser canalizada para reforçar a transparência e a democracia. É essencial que todos os stakeholders – empresas de tecnologia, legisladores, meios de comunicação e o público – estejam engajados e informados sobre as capacidades e os riscos associados à IA.

Por fim, convidamos a comunidade global a participar ativamente no monitoramento do uso da IA nas eleições. Encorajamos os leitores a submeter relatos e exemplos de IA generativa que encontrem durante o ano eleitoral. Seja um deepfake detectado, um chatbot político inovador, ou mesmo instâncias onde a IA foi usada para clarificar informações, todos esses dados são valiosos. Essas submissões ajudarão a construir um banco de dados mais robusto e diversificado, fornecendo uma visão mais clara de como a IA está sendo utilizada globalmente.

Ao encarar os desafios e oportunidades apresentados pela IA, nosso objetivo deve ser cultivar um ambiente onde a tecnologia seja usada para fortalecer os pilares da verdade e da justiça. A educação contínua, a legislação adaptativa e a colaboração internacional serão fundamentais para garantir que a IA contribua positivamente para nossas sociedades.